Muitas mulheres se sentem desconfortáveis em serem rotuladas como “feministas”. Talvez por uma questão de sobrevivência no mercado de trabalho, por vigorar no mundo corporativo, por preconceito ou desconhecimento, o velho estereótipo de que feministas são contra casamento, família, odeiam homens e se sentem superiores a eles.
Para muitas mulheres a opção é se comportar como “um deles”, acreditando que para ter sucesso profissional precisam “se encaixar”, mantendo silente suas crenças e convicções. E quando falamos nisso, a imagem que vem à mente são as mulheres das gerações passadas, que não por escolha pessoal, mas para serem inseridas no mercado de trabalho, escondiam sua feminilidade.
Estar dentro do negócio e conseguir avançar na carreira para cargos de liderança e gestão não é uma tarefa fácil para nós mulheres, e quase sempre vem acompanhada de “piadas” e comentários pejorativos como: “teve sorte”, “ser mulher deve ter ajudado”; “o que será que ela fez para ser promovida”. Lamentavelmente, o mérito, a capacidade e a competência são desprezadas, impondo as mulheres maior dedicação e trabalho, com mais resultados que os homens.
É a velha máxima: a régua para nós, mulheres, é sempre mais alta. E isso não é “mimimi”. Um relatório de McKinsey 2011 destacou que homens são promovidos com base em seu potencial, enquanto as mulheres são promovidas com base em seus resultados.
Casa, família, trabalho e estudos…Muitas mulheres desistiram ao longo do percurso, frustradas por não encontrarem seu espaço. Outras não têm opção, pois são provedoras da casa e se submetem a ficar caladas diante de situações de desigualdade. Algumas estão tão consumidas pela carreira que não tem vida pessoal. Fato é que muitas mulheres estão à beira de uma vida colapsada, deixando de lado sua saúde física e mental.
E não estamos dizendo que o simples fato de sermos mulheres impõe ao mercado o reconhecimento profissional ou tratamento diferenciado. Nos referimos as mulheres que detém todo mérito e competência para ocuparem posições acima das atualmente exercidas, que encontram barreiras sobre questões salariais, promoção e até mesmo pela necessidade de passarem mais tempo com sua família.
No Brasil, em que pese representarmos 51,7% da população brasileira, com maior formação em nível superior (19% em face de 15% dos homens), se olharmos para o mercado de trabalho, os dados são alarmantes: 3,5% das mulheres são CEOs; 37,4% ocupam cargos de liderança e 50% das mulheres são demitidas após terem filhos. Em média nacional, as mulheres ganham 20,5% a menos que os homens no mesmo cargo. As mulheres têm maior probabilidade de trabalhar em empregos de baixa remuneração no setor informal, não regulamentado e subvalorizado, acarretando índices preocupantes de abusos e violência sexual, apenas por serem mulheres.
A discriminação de gênero é perpetuada não somente por leis que a excluem, como também pela ausência delas: Em 86 países as mulheres enfrentam alguma forma de restrição aos tipos de trabalho que podem exercer; em 18 países os maridos podem proibir as mulheres de trabalhar; 39 países impedem que mulheres herdem bens de seus pais; em 36, viúvas não têm direito a imóveis ou quaisquer propriedades que pertenciam à família; 95 países não garantem a remuneração igualitária para trabalhos de igual valor; 59 países não possuem leis contra o assédio sexual no ambiente de trabalho e, há países que não oferecem programa nacional de licença parental remunerada.
Se o sentimento que reverbera face a esses dados e estatísticas não são apáticos e, sim, que precisamos mudar o status quo. Se há dentro de você uma vontade em ser livre para ser como quer ser e não ter que mudar para se “encaixar”. Se você acredita que o mérito a diferencia e não o seu gênero. Você é feminista, sim!
Ser feminista independe de ideologia política. Significa que mulheres e homens devem trabalhar juntos para derrubar as barreiras e acabar com preconceitos que ainda impedem o avanço das mulheres. Ser feminista não está atrelado à orientação sexual, religião, nem à forma de se vestir. Não é oprimir homens pelo seu gênero – esse é o conceito do termo “femismo”, que não é sinônimo de feminismo. É o direito das mulheres escolherem se e quando terão filhos; se querem ingressar no mercado de trabalho ou ficar em casa exercendo um trabalho não remunerado; se querem ou não pintar o cabelo, enfim de serem donas de todas as suas escolhas.
O mundo não será melhor se tiverem mais mulheres no poder do que homens. Como brilhantemente afirma Melinda Gates, a dominação masculina é prejudicial à sociedade porque qualquer dominação é ruim. Estamos aqui para ressignificar uma sociedade marcada por uma hierarquia falsa em que o poder e a oportunidade subordinam-se a gênero, idade, riqueza e privilégios- e não a capacidade, esforço, talento ou realizações.
Não há como desenvolver uma sociedade sem inclusão e igualdade. O processo evolutivo de consciência não tem gênero, tanto homens quanto mulheres são fruto de uma cultura patriarcal, que a passos lentos, vem aos poucos apresentando mudanças. Essa mudança é retratada por Raj Sisodia e Nilima Bhat, que desenvolvem uma análise de evolução de consciência, “assim como o século 19 teve como tema o fim da escravidão e o 20 o fim do totalitarismo”, os autores apresentam que “a história mais importante do século 21, sem dúvida, será o fim de relegar a mulher e os valores femininos a segundo plano”.
O desafio é a desconstrução da mentalidade de poder de um gênero sob o outro, permanecendo o valor das competências, habilidades, experiências e características comportamentais, capazes de transformar empresas, sociedade e o mundo.
E a mudança de percepção parte de considerarmos o gênero como um espectro e não como dois ideais que se opõem. É por isso que nós, mulheres, precisamos elevar umas às outras, não para substituir homens que estão no topo da hierarquia, mas para que tenhamos uma parceria igualitária.
A semântica é importante, mas a ideia e a ambição por trás dela é que gerará a mudança que tanto buscamos, expondo claramente os efeitos da discriminação sexual sobre nós e buscando ações que eliminem as barreiras invisíveis e os vieses inconscientes que dificultam, e até mesmo impedem, o avanço profissional das mulheres no mundo corporativo.
Defender igualdade de gênero sem se declarar feminista é contraditório. Como diz Maynara Fanucci, “é dizer que não bebe água, mas bebe H2O”. Esperamos que mais mulheres e homens – por suas mães, filhas, irmãs e amigas – aceitem esse qualificativo do feminismo com orgulho, para que possamos unir vozes em busca de um futuro de autenticidade, igualdade, inclusão e respeito.
O artigo foi escrito e organizado pelas executivas Shana Carolina Bertol (Diretora Executiva do OGMO/Paranaguá; Diretora Financeira da Academia Brasileira de Direito Portuário e Marítimo – ABDPM; Idealizadora e Diretora de Marketing e Comunicação Mulheres & Portos) e Ana Cláudia Barbosa (Diretora Executiva do OGMO/Itaqui; Idealizadora e Diretora de Desenvolvimento Mulheres & Portos)