Sou psicólogo há mais de 22 anos e atuo na área organizacional e clínica. Tenho mestrado em Psicologia e desenvolvo um trabalho social na região do bairro do João Paulo. Nos últimos meses tenho me deparado frente a frente com casos de depressão, síndrome do pânico e síndrome de burnout como nunca pensei que um dia me depararia. Sem exagero nenhum, tenho a impressão de que estamos lidando com algo epidêmico e que ainda não sabemos ao certo onde isso tudo vai nos levar.
No início do ano passado iniciei um grupo de apoio a pessoas com depressão, cujos encontros são semanais e abertos à comunidade em geral. De lá para cá, tenho percebido o quão “democrática” essa doença é, não fazendo acepção de ninguém – independentemente de idade, de fatores sócio econômicos, ou de quaisquer outros fatores – e o quão ainda é vista de forma preconceituosa pela nossa sociedade, de uma forma geral. Esse preconceito, muitas vezes, tem a ver com a não aceitação da própria doença, ou com a desconfiança em relação à psicoterapia ou, ainda, com resistência em relação à terapia farmacológica prescrita pelo médico psiquiatra (por exemplo, o receio de “ficar viciado na medicação”, comparece frequentemente nos relatos dos atendidos).
Boa parte das pessoas que atendi ou ainda atendo (seja em uma atividade de grupo, seja de forma individual) pertencem a alguma denominação protestante, católica ou espírita- alguns até exercem o ministério pastoral – e quase todos eles, com raras exceções, me pareceram reativos, negligentes ou receosos de “se abrir” com alguém, de admitir a necessidade de um tratamento e – no caso dos mais “religiosos” – de compreender que por mais que tenhamos fé em uma divindidade ou por mais que tenhamos uma espiritualidade vamos dizer assim, “atuante”, há situações em que precisamos, de fato, recorrer a profissionais especializados e seguir as recomendações feitas por eles à risca. Como eu sempre digo a essas pessoas, “cada caso é um caso”.
Ora, reconhecer que estamos doentes e que necessitamos de ajuda não é falta de fé e não indica que não confiamos em Deus. Apenas nos mostra o quão limitados somos e que há situações em nossas vidas que nos desgastam, que cobram um alto preço emocional e físico, e que nos levam a enfraquecer mesmo sem percebermos isso claramente. Citando a Bíblia, creio que até o profeta Elias esperimentou algo assim, após ter enfrentado os 450 profetas de Baal e de saber que a sua cabela estava “a prêmio” – penso que ele, após esse grande combate, realmenre cansou e quase entregou os pontos, diante de uma angústia terrível e das incertezas que possivelmente afligiam o seu coração naquele momento (quem sabe, quis largar tudo e “chutar o pau da barraca”). Elias era humano, apesar de profeta.
Recentemente atendi alguns profissionais cujas situações relatadas me fizeram supor um adoecimento gradativo, provavelmente em virtude de eventos ocorridos no ambiente de trabalho ou por ele potencializados. Eu me deparei com pessoas que não sabem mais como agir e nem como se portar diante da doença – e têm vergonha de assumir essa condição perante a família ou perante os colegas de trabalho. Em geral, esses indivíduos têm receio de falar com as suas respectivas chefias e acabam optando por “viver um dia de cada vez”, aqui e ali fazendo uso de algum tipo de medicação (ansiolíticos, frequentemente), aguentando os surtos de ansiedade, as angústias na alma, os prantos escondidos nos banheiros das empresas e o medo de ter que conviver com o “olhar de pena dos colegas”. Já não suportam mais a tal da “síndrome da música de abertura do Fantástico” – aquele programa de TV que passa aos domingos à noite e que parece prenunciar a iminência da segunda-feira e, portanto, de uma nova semana de trabalho (doloroso) prestes a iniciar.
Tenho constatado que o trabalho tanto pode colaborar conosco como um fator que propicia saúde, como também pode representar um peso, algo que vem a desencadear, sutilmente, o adoecimento. E o ambiente, as pessoas, a liderança, as cobranças e os relacionamentos acabam desempenhando um papel importante nisso tudo, de uma forma ou de outra.
Por isso mesmo quando alguém me fala em resiliência, fico me perguntando até que ponto isso é bom ou não. Talvez devesse existir um limite “mensurável” até onde poderia chegar essa resiliência… a questão que me vem nas entrelinhas desse discurso (“seja resiliente”, “suporte a situação”, “engula o choro”, “não seja emotivo”, “seja macho”, “onde está a sua maturidade para lidar com as cobranças?”, “se você não suporta pressão não pode trabalhar nesta empresa”, “depressão é coisa de gente que não tem o que fazer… vá trabalhar com mais afinco que você não vai ter esse negócio”, enfim…) é que provavelmente estamos desconsiderando a saúde e fixando muito mais nos resultados.
E por conta desse referencial, assim entendo, estamos caminhando sonolentamente em direção ao adoecimento. Vivendo um dia após o outro, às vezes como autômatos, mas com a caixinha de diazepan na gaveta na mesa, à espera de que dias melhoras estejam a caminho.